Alguns Desafios de Uma Década Atrás Ainda Valem Para o Varejo Local
Análise reflete sobre estudo de 2014 acerca da flexibilidade, risco e inadimplência em crediários. Até hoje, como as micro e pequenas empresas lidam com a gestão de crédito ainda não mudou muito.
Uma década se passou desde a publicação da pesquisa "Política de Crédito: uma Análise das Micro e Pequenas Empresas de São Gotardo - MG", de Lílian Eliene Barbosa e Ney Paulo Moreira1, mas os desafios mapeados em 2014 parecem persistir no cenário comercial da cidade em 2025. O estudo, que entrevistou 91 empresários locais, revelou uma forte dependência das vendas a prazo, impulsionada pela concorrência e pela percebida "ineficiência do mercado financeiro no oferecimento de crédito", forçando os comerciantes a usarem o crediário como "meio de atrair clientes e estimular as vendas". Essa tática, vital para o faturamento, já representava mais da metade das vendas (acima de 51%) para 62,63% dos estabelecimentos analisados na época, especialmente nos segmentos de calçados e vestuário.
A análise de crédito, segundo Barbosa e Moreira, focava fortemente nos "Cs do Crédito", com os empresários considerando mais relevantes o "Caráter" (a índole e histórico do cliente) e as "Condições" (estabilidade e fatores externos). No entanto, a pesquisa apontou uma marcante "flexibilidade na exigência dos pré-requisitos", talvez justificada pelo ambiente de cidade pequena onde "normalmente as pessoas se conhecem". Era comum a dispensa de documentos como comprovante de residência ou renda, e mais de 20% das lojas sequer mantinham uma ficha cadastral formal, aumentando a informalidade e o risco. Os prazos concedidos, frequentemente entre 30 e 60 dias, eram definidos mais pela "necessidade dos clientes" ou pela prática da concorrência do que pela capacidade financeira da empresa.
Essa combinação de fatores resultava no que o estudo chamou de "altos índices de atrasos nos recebimentos". Alarmantemente, 42,86% das empresas relatavam conviver com inadimplência superior a 30%. Apesar disso, a política de cobrança não se mostrava rigorosa, sem um padrão claro sobre quando iniciar o processo, embora a maioria (94,51%) buscasse renegociar para "preservar a relação com o cliente". Os pesquisadores observaram uma correlação moderada entre o volume de vendas a prazo e o índice de inadimplência, sugerindo que a flexibilização para vender mais aumentava o risco de calote.
Dez anos depois, a percepção é que o cenário fundamental não se alterou drasticamente. O crediário próprio continua sendo uma ferramenta essencial, a análise de crédito ainda se baseia muito na confiança pessoal e na reputação, e a gestão da inadimplência permanece um equilíbrio delicado entre cobrar e manter o cliente. Como concluíram Barbosa e Moreira, a política de crédito liberal, embora facilite as vendas, "colabora para elevar o risco do negócio, aumentando a necessidade de investimentos em capital de giro, podendo contribuir para um estado de insolvência". O desafio de profissionalizar a gestão de crédito sem perder a clientela fiel, num ambiente competitivo, continua sendo central para a sustentabilidade das micro e pequenas empresas de São Gotardo.
BARBOSA, Lílian Eliene; MOREIRA, Ney Paulo. Política de Crédito: uma Análise das Micro e Pequenas Empresas do Setor de Tecidos, Vestuário e Calçados de São Gotardo - MG. Revista Brasileira de Gestão e Engenharia, São Gotardo, p. 57-85, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www.periodicos.cesg.edu.br/index.php/gestaoeengenharia/article/view/158/0. Acesso em: 7 abr. 2025.